domingo, 20 de julho de 2008

Quadro real

«A água tá munta boa, tá tipo morna!» berrava um dos adolescentes, num estado de euforia histérica.
O grupo de familiares com que se fazia acompanhar estudava entusiasticamente a melhor formar de montar todo o arsenal que transportava, com vista ao merecido conforto, depois dos quilómetros percorridos desde os confins do Alentejo interior.
«Aqui os moços banhõ-se à vontade e nã ficom com os bêços roxos» esclarecia a suposta progenitora do rapazito, demonstrando um intencional ar de habituée. «No ano passado a Marie nem à hora do almoço queria largar a água. Vão ver o que é que é bom!» continuou, como que a dar por compensadoras as horas consumidas, na noite da véspera, na preparação do carrego que, entretanto, se mantinha espalhado numa perfeita confusão.
Num ápice e de uma forma inaudita era vê-la a distribuir pelas mulheres do grupo os guarda-sóis, habituados a estas andanças - a ver pelas suas cores desbotadas -, e em simultâneo, os lençóis gastos e amarelados, que depois de estratégicamente colocados transformariam aqueles metros quadrados num autêntico condomínio fechado.
Eles, os homens do grupo, com um ar de quem já cumpriu a tarefa diária - afinal, conduzir tantos quilómetros após uma noite de petiscada com os amigos que, ainda por cima, não tinham tido coragem de abandonar mais cedo porque homem que se preze não diz não às abaladiças - largaram as roupas despidas - alguém havia de as arrumar - e caminharam rumo à beira-mar. Contemplando a "paisagem" com atrevidos olhares de soslaio e sorrisos cúmplices, massajavam, à laia de tique, as proeminentes barrigas com movimentos giratórios numa sábia preparação para o consumo dos farnéis meticulosamente preparados pelas marias deles.
«Elas é que percebem daquilo, já têm a tenda armada» concordavam entre todos.
O arroto que se fez ouvir, emanado com uma descontracção natural após o banho tomado e uma, suposta, digestão inacabada, misturou-se nas gargalhadas que anteviam os pastéis de bacalhau e as "mines" servidas por uma das mulheres que acabava, precisamente, de colocar a última geleira no cantinho que lhe havia sido reservado.
As outras barafustavam com os moços na tentativa de conseguirem besuntá-los de creme protector. «Que cancêra!» desabafaram.
Ora bolas, isto de "levar a peito"o papel de esposa e mãe tem que se lhe diga!

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