domingo, 17 de agosto de 2008

Quadro real 3

Quantas vezes assistimos a "quadros reais" que nos fazem rir perdidamente por dentro e que, ao longo da vida, vamos relatando com o propósito de engrossarmos momentos de boa disposição partilhados com amigos e conhecidos. Há, no entanto, outros que nos causam mal-estar e que mais tarde ou mais cedo utilizamos como pano de fundo para dasabafos de circunstância. Este que vou relatar presenciei-o num restaurante e é um exemplar que pertence à segunda categoria referida.
Dois casais a quem coube a sorte, a cada um deles, de trazerem ao mundo um filho homem, aguardavam em conversa animada a chegada do almoço. Os dois rapazitos teriam sensivelmente a mesma idade, seis ou sete anos, no máximo. Um deles, talvez afectado pela fome ou pela toma eventual de um comprimido para o enjôo (a perceber-se pelos sotaques vinham lá de "cima" e dirigiam-se para o Algarve) aparentava um ar um tanto ao quanto alheado, reproduzindo segundo a segundo o som de bocejos que se iam fazendo ouvir em crescendo. Num gesto mecânico levava paulatinamente as costas das mãos à sua face miúda para limpar as lágrimas insistentes e apoiava a cabecita no espaldar da cadeira.O outro menino, anafadinho, redondinho, rechonchudinho, dotado de uma genica imensa, ao mesmo tempo que interpelava a mãezinha quanto à chegada do manjar que anseava devorar (como depois verifiquei), manuseava freneticamente o telemóvel da mamã.
Chegadas à mesa, as sopinhas dos meninos, foram carinhosamente colocadas à frente de cada um deles.
Bem, a história da primeira criança referida acaba aqui, uma vez que, desde o momento em que segurou a colher de sopa até eu me ter ausentado do restaurante, nada revelou de anormal e digno de desabafos meus.
O mesmo não posso dizer da outra "pestinha", que RECUSANDO-SE a largar o telemóvel, condescendeu de imediato, de boca completamente aberta, à introdução das sucessivas colheradas de sopa que a mãe confrangida, digo eu, lhe ia derramando goelas abaixo. Assim, não se chateou o menino, não se chatearam nem a mamã nem o papá, não se gerou um mau ambiente na mesa e, melhor ainda, não se chamou a atenção dos restantes clientes do restaurante. Resumindo, foi a solução mais "cómoda" para todos, esta que a senhora encontrou.
Pelo ar satisfeito e radiante emanado da face deste petiz, era fácil percepcionar que a sua felicidade era fruto do gozo disfrutado tanto pela sopinha que deglutia assim como pelos pontos que ia acumulando em cada jogo que terminava.
Ainda as travessas transportadas pelo empregado iam a caminho da mesa dos veraneantes em causa, e já o "piqueno", habituado a farejar carne e batatas fritas à distância, largava o telemóvel num lance automático, para bem longe, indiferente a possíveis estragos. Compôs-se, puxando a cadeira o mais à frente possível, como que a marcar território.
Nada impaciente com o tempo que a progenitora ocupava durante a manobra de dissecação da preza de carne que lhe seria destinada, ao mesmo tempo que focava um olhar atento a essa operação, ia atafulhando a matraca com colheradas de arroz .
Depois... depois foi um ver se te avias. Não contente com o monte de batatas no seu prato, ia espetando ora essas, ora as residentes na travessa ao centro da mesa.
Os olhares repreensivos que a outra presença feminina do grupo lançava ao petiz, às escondidas dos queridos papás, numa tentativa de pôr termo àquela vergonhosa conduta, não contribuíram, nem um pouco, para que ele alterasse aquela manifesta e intolerante falta de educação e de saber estar.
Claro, cara amiga! como é que aquele pequeno ser poderia perceber algo que, talvez, nunca lhe tenha sido ensinado ou corrigido! Ou foi, e a burra sou eu?
Quem merecia o tal puxãozinho de orelhas que tantas vezes recomendamos como panaceia para a cura destes "males", dos quais padecem cada vez mais criancinhas, eram os PAIZINHOS do menino. Porque afinal, bem vistas as coisas, ele para além de inocente é vítima, ainda por cima.
E os professores que se encarreguem de fazer dele um "bom" adulto?

sábado, 9 de agosto de 2008

Escrita surrealista?

Hoje as palavras vão fluir. Vão flutuar e nadar, sem rumo, ao sabor das ondas da fantasia. Sem colaboração do racional.
Palavras de cores variadas vão misturar-se em diferentes proporções, determinar palavreado. Uma aqui mais outra acolá edificarão frases de diferentes coloridos. Pinceladas ao acaso em tela branca vão produzir diferentes brilhos, diferentes intensidades. Acidentalmente, contrastes e harmonias suceder-se-ão numa tensão possivelmente lastimosa.
Se houver "volta a dar", uns retoques, uns arabescos, armados em figuras de estilo, farão quase acreditar numa intencional mutação. A ilusória satisfação remeterá para a persistência e perseverança. Até um dia! Quem sabe, longínquo ou não?
Se "a volta" não for vislumbrada, dar-se-á uso à borracha. A gaveta que lhe serve de abrigo apresentar-se-á, como sempre, uma alternativa. Disponível e servil, continuará a aquiescer com o amontoado de segredos e lapsos.
Permanecerá entreaberta, até que um dia tropecemos nela.